Estamos, sem dúvida, num mundo em profunda mudança. Na cidade hodierna cruzam-se pessoas de diferentes cores, culturas, línguas e credos. A busca de melhores condições de vida tão depressa traz para a cidade pessoas de outros países e de diferentes situações sociais, culturais e religiosas, como faz partir muitos dos seus anteriores habitantes. Dado o crescente pluralismo cultural e religioso, já não são os campanários das igrejas que marcam o ritmo da vida das pessoas da cidade. O Evangelho de Jesus Cristo é cada vez menos conhecido. E mesmo para aqueles que o conhecem, já perdeu muito do seu significado.Este cenário é preocupante e pede, com urgência, à Igreja presente na cidade dos homens uma nova cultura de evangelização, que vá muito para além de uma simples pastoral de manutenção. Deve notar-se que o termo euaggélion não é um mero nomen status, mas um nomen actionis: não pode ser traduzido por «evangelho» nem pode confundir-se com um livro colocado na estante; na verdade, significa «evangelização». E evangelização implica movimento e comunicação, e requer tempo, formação, entranhas e coração.As páginas que se seguem traçam as principais etapas da evangelização, detendo-se na terceira, por ser aquela em que estamos hoje. Olhando atentamente o nosso mundo e analisando a documentação da Igreja, teremos ainda presentes os desafios que o Papa Bento XVI lançou recentemente à Igreja em Portugal (Discurso ao Bispos portugueses, Visita ad Limina, Novembro de 2007), e retiraremos, no final, algumas inevitáveis conclusões.
I. AS TRÊS ETAPAS DA MISSÃO
1.1. Primeira etapa da missão
Na tarde daquele primeiro dia da semana, o Ressuscitado convoca-nos para a missão nova e frágil da paz e do perdão e do sopro criador: «20,21Disse-lhes então Jesus outra vez: “A paz convosco! Como (kathôs) me enviou (apéstalken: perf. de apostéllô) o Pai, também Eu vos mando ir (pémpô)”» (Jo 20,21). 22E tendo dito isto, soprou (enephýsêsen) e diz-lhes: “Recebei o Espírito Santo. 23Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, serão retidos”» (Jo 20,21-23). Como em muitas outras passagens, o uso do verbo apostéllô (enviar) acentua o papel do «enviado», que é Jesus, do mesmo modo que o uso do verbo pémpô (também enviar) sublinha o papel do «enviante»[1], que, neste caso, continua a ser Jesus. Por outro lado ainda, o envio de Jesus apresenta-se no perfeito grego, pelo que a sua missão começou e continua. Não terminou. Ele continua em missão. A nossa missão está no presente. O presente da nossa missão aparece, portanto, agrafado à missão de Jesus[2], e não faz sentido sem ela e sem Ele: «Como me enviou o Pai, também eu vos mando ir». Nós implicados e imbricados n’Ele e na missão d’Ele, sabendo nós que Ele está connosco todos os dias (cf. Mt 28,20). E aquele «como» define o estilo da nossa missão de acordo com o estilo da missão de Jesus, que nos ama descendo ao nosso nível[3].Assim, a missão nova e frágil da paz e do perdão e do sopro criador foi-se espalhando pelas diferentes parcelas do mundo. É a primeira, e sempre paradigmática, etapa da missão. Sem pesos atrás, sem móveis nem imóveis, sem ouro nem prata nem cobre, sem alforge nem duas túnicas, com Cristo apenas (cf. Mt 10,9-10; Act 3,6).
1.2. Segunda etapa da missão
Durante a Idade Média, pensou-se mesmo que o Evangelho já tinha chegado ao mundo inteiro, e que o mundo inteiro era cristão[4]. Mas as grandes descobertas dos séculos XV e XVI vieram mostrar a existência de um vasto mundo que ainda não conhecia o Evangelho. Deu-se então início à segunda etapa da missão. E então as grandes Ordens Religiosas (Jesuítas, Dominicanos, Franciscanos) começaram a partir da Europa («território de cristandade») para os territórios não evangelizados («territórios de missão»). Este esforço de missionação recebeu um novo impulso nos séculos XIX e XX com o contributo de Institutos especializados (Padres Brancos, Combonianos, Espiritanos, Oblatos de Maria Imaculada, Sociedades Missionárias de Vida Apostólica).Este imenso esforço de missionação tinha o seu centro de organização e orientação em Roma (os Bispos das Igrejas dos «territórios de cristandade» estavam fora deste planeamento), onde, em 1572, foi criada a Comissão Pontifícia De Propaganda Fide, convertida em Congregação De Propaganda Fide em 1622[5].Enquadrando-se já no contexto da terceira etapa da missão, é significativa a sua transformação em Congregação para a Evangelização dos Povos em 1967, fazendo ver que é agora à Igreja inteira que compete a causa missionária: todos os Bispos, e, com eles, todas as Igrejas locais, são «colegialmente» responsáveis pela evangelização do mundo[6].
1.3. Terceira etapa da missão
Com o Concílio Vaticano II abre-se a terceira etapa da missão. O Decreto Ad Gentes (AG), de 7 de Dezembro de 1965, afirma logo a abrir que «A Igreja é por sua natureza missionária» (n.º 2), e convoca a Igreja inteira para a tarefa missionária. Este aspecto será desenvolvido e acentuado por documentos posteriores, como a Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (EN), de 8 de Dezembro de 1975, de Paulo VI, a Instrução Postquam Apostoli (PA) sobre a necessidade da cooperação entre as Igrejas particulares, de 25 de Março de 1980, da Congregação para o Clero, o Documento «Diálogo e Missão» (DM), de 10 de Junho de 1984, do Secretariado para os não-cristãos, a Carta Apostólica Redemptoris Missio (RM), de 7 de Dezembro de 1990, de João Paulo II, a Instrução «Diálogo e Anúncio» (DA), de 19 de Maio de 1991, do Pontifício Conselho para o Diálogo inter-religioso e da Congregação para a Evangelização dos Povos, a Carta Apostólica Novo Millenio Ineunte (NMI), de João Paulo II, de 6 de Janeiro de 2001.Tendo em conta que o objectivo principal é mudar o coração e a atitude das paróquias, não podemos deixar de referir aqui também três importantes documentos da Conferência Episcopal Italiana (CEI): Comunicar o Evangelho num mundo em mudança. Orientações pastorais do episcopado italiano para o primeiro decénio de 2000 (CEMM)[7], de 29 de Junho de 2001; O rosto missionário das paróquias num mundo em mudança. Nota pastoral (RMP)[8], de 30 de Maio de 2004; Esta é a nossa fé. Nota pastoral sobre o primeiro anúncio do Evangelho (ENF)[9], de 15 de Maio de 2005. A elaboração de O rosto missionário das paróquias num mundo em mudança mobilizou a Igreja italiana e recolheu contributos de especialistas, agentes de pastoral e leigos, empenhou os Bispos da CEI durante mais de dois anos, em várias sessões do Conselho Permanente e três Assembleias Plenárias: a de Maio de 2003, em Roma, dedicada à «Iniciação Cristã»; a de Novembro de 2003, em Assis, sobre «A Paróquia: Igreja que vive no meio das casas dos homens»; a de Maio de 2004, em Roma, em que se ultimou este Documento que visa delinear o rosto missionário que devem assumir as paróquias.Todos estes Documentos insistem em que a missão é tarefa da Igreja toda e de cada uma das Igrejas, que a missão diz respeito a todos os cristãos, a todas as dioceses e paróquias, instituições e associações eclesiais, aos bispos, aos presbíteros, aos religiosos e aos fiéis leigos. Para esta terceira etapa da missão, todos, mesmo todos, estamos convocados. E todos não somos demais. Em 1965, o Concílio calculava em dois mil milhões (2.000.000.000) o número de não-cristãos (AG, n.º 10). Vinte e cinco anos depois, em 1990, João Paulo II refere que este número quase duplicou (RM, n.º 3). A missiografia calculava para esse ano de 1990 três mil quatrocentos e quarenta e nove milhões e oitenta e quatro mil (3.449.084.000) não-cristãos[10], e para o ano 2.000 o número de quatro mil e sessenta e nove milhões e seiscentos e setenta e dois mil (4.069.672.000) não-cristãos[11]. Em 2006 esse número subia para quatro mil e trezentos e setenta e três milhões e setenta e seis mil (4.373.076.000) não-cristãos[12]. As estimativas apontam para 2025 uma população mundial de 7.851.455.000, com 2.630.559.000 cristãos (1.334.338.000 católicos), e 5.220.896.000 não-cristãos[13].
D. António Couto. Continua.....
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